sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

Será por quê?

Há muitas perguntas sem resposta, no caso da Escola de Samba campeã patrocinada pelo dinheiro do ditador... É um caso daqueles em que se sabe que todas as respostas ficariam caladas, até que as perguntas caíssem no esquecimento.

Nosso colaborador, Cotoxão, escreveu em seu perfil no Facebook, na terça-feira:

"Fiquei feliz por a Beija-Flor ter ganhado! Porque eu já sabia do absurdo que estava para acontecer durante o Carnaval, todavia, ninguém estava se preocupando muito. Agora que a Beija Flor ganhou, Você vai clicar nesta notícia e ficar indignado, assim como eu estava antes mesmo do desfile começar!"

Ele tinha razão. A vitória da Beija-Flor provocou grande repercussão internacional: Washington Post, BBC, The Guardian, AFP, The Wall Street Journal... e, apesar dos esforços da Escola em minimizar a questão e da Embaixada em negar participação, há vozes se erguendo para questionar e condenar o absurdo.

Segundo Carlos Bezerra Jr, deputado estadual por São Paulo, em artigo publicado na Folha de São Paulo, a Anistia Internacional se manifestou contra o patrocínio, pedindo ao Rio de Janeiro transparência na organização das Olimpíadas de 2016. Nas redes sociais, são incontáveis as manifestações.

Talvez, Você queira entender o caso e eu poderia resumí-lo usando alguns versos do Samba Enredo da Beija-Flor. 

Nego canta, nego clama liberdade
Sinfonia das marés saudade

Um africano rei que não perdeu a fé

Era meu irmão, filho da guiné

O filho da Guiné homenageado pelo samba enredo é o ditador Teodoro Obiang, no poder desde 1979, que governa a nação africana Guiné Equatorial, da qual é possível que Você nunca, antes, tenha ouvido falar. As organizações internacionais que defendem os direitos humanos, no entanto, há muito estão atentas ao regime ditatorial de governo, considerando-o um dos mais violentos e repressivos do continente africano. 

A chama da igualdade não se apaga
Olha a morena na roda e vem sambar

(...)

canta Guiné Equatorial


A igualdade, cantada na avenida do Samba, não pode ser aplicada à vivência da população da Guiné Equatorial. Embora a Nação tenha a maior renda per capita da África, mais de 70% de seu povo vive abaixo da linha da pobreza, ainda que haja uma elite vivendo, viajando, assistindo ao Desfile de Carnaval, em deliberada opulência...


Criança, levanta a cabeça e vai embora
O mar que trouxe a dor riqueza aflora


Certamente, crianças da Guiné Equatorial desejariam ir embora. A riqueza trazida pela exploração do petróleo, infelizmente, não impede que a mortalidade infantil seja 30 vezes maior que a dos países com a mesma renda e que a escolaridade baixa continue caindo... Essa é uma  foto que circula pela internet, retratando a triste realidade daquelas crianças:


E essa é uma foto da suposta riqueza, na capital da Guiné Equatorial, Malabo:



Segundo o deputado Carlos Bezerra Jr, em seu perfil no Facebook,  

"Essa foto é de Malabo, capital do país em que a maioria da população não tem acesso a água potável e a mortalidade infantil está entre as 5 maiores do mundo, apesar de a renda per capita ser a maior do continente africano e comparável a de países europeus. Além dessas belezas tem outras, como o cerceamento da liberdade, julgamentos sumários e tortura denunciados pela Anistia Internacional e Human Rights Watch. É cantando essas belezas todas, turbinada por uma generosa doação - dizem ser R$ 10 milhões - que a Beija-Flor ganhou o carnaval do Rio de Janeiro."

Pra quem sabe ler, um pingo é letra. Pra quem tem muito a esconder, pontos de interrogação precisam ser pintados com tinta transparente. Ops, transparência não se aplica ao caso, melhor dizer tinta invisível... E é assim que as muitas perguntas e manifestações têm encontrado apenas o silêncio como resposta por parte dos nossos governantes. 

Por que será que silenciam e fingem que nada aconteceu? Será por quê o ex-presidente Lula já esteve duas vezes em visita oficial ao ditador da Guiné Equatorial? Será por quê as empresas brasileiras que operam na Guiné Equatorial também fazem parte do esquema que oprime aquele povo? 

Será por quê, no Brasil, os valores estão mesmo invertidos e o que a imprensa internacional considera como a maior festa popular do planeta precisa, mesmo, estar marcado como festa da corrupção e onde fenece a luta que o Brasil tenta mostrar que empreende pelos direitos humanos?

Será que houve mesmo o patrocínio? Ou não houve? E isso, na verdade, é o mais importante? Ou será que o mais importante é nossa capacidade de sambar, alegremente, sobre a desgraça imposta impiedosamente a um povo pelo ditador homenageado, seu regime e todos aqueles que o apoiam, inclusive aqueles de nós que acham tudo isso normal e apenas uma homenagem cultural?

Segundo o samba enredo, 


Quem beija essa flor não chora.

 Eu não beijo. Você pode beijá-la e dormir em paz?

Jackeline Sarah
Escritora

Confira nos links:

Folha de São Paulo

opovo.com.br

Blog do Montoril

Jogo do Poder

Ceilândia em alerta

Folha da Manhã

Vagalume

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